Caminho do Autor – um percurso de autoconhecimento por fazeres manuais

Há vários caminhos para dentro de si: caminhos mentais, dos estudos e da análise, caminhos sensoriais e corporais, que implicam todo o nosso sistema de movimento e sentimento no processo, como dança, esporte, terapias corporais etc., caminhos culturais, como o de São Tiago de Compostela…

Para trilhar todo o tipo de caminho geralmente dispomos de um itinerário e de instrumentos para nos apoiar no percurso, mas nosso ponto de partida é sempre o mistério – do desconhecido, do não saber, do não vivido, da expectativa. Na 1. Edição do Caminho do Autor, de agosto a outubro de 2018, Ciça e Bruno conduziram os “caminhantes” por um itinerário com oito paradas (8 encontros presenciais), ao longo de dois meses, com dois instrumentos principais em cada parada: um fazer manual e uma pergunta.  

Mais do que se debruçar sobre o aprendizado das técnicas propostas – encadernação, tear, argila, carimbo, estamparia, marcenaria, bordado e tingimento – o Caminho do Autor convidou os participantes a colocarem a “mão na massa”, sendo autores de seus fazeres independentemente do grau de experiência com as artes manuais. Um caminho criativo para ajudar cada pessoa a expressar sua autoria singular e também a estar em grupo, em relação com o outro que também é autor. Em cada parada, um fazer, um resultado e uma pergunta: “o que esse fazer diz sobre mim?” – pergunta grávida de outras tantas questões que os fazeres manuais geraram dentro de cada “caminhante” e dentro do grupo.

Para registrar a memória desta 1ª edição do Caminho do Autor, o blog Revolução Artesanal recolheu relatos de alguns “caminhantes”:

O Caminho da experimentação e da descoberta de Luciana

“Bom, pra mim o caminho do autor é mais uma etapa em uma busca, que acredito ser comum, de descobrir que lugar no mundo é o seu – o meu, no caso. E uma das formas de encontrar esse lugar é ir descobrindo quais formas te representam, quais cores pintam seus desejos e emoções e de que forma suas palavras refletem sua essência.

A jornada foi um convite a ir experimentando o que eu sei ser e o que não aparece quando estamos trabalhando com uma energia só mental, que é tão estimulada. Cada encontro foi especial pelo seu potencial de experimentação, mas quero destacar o primeiro em que criamos um caderno. Não é uma técnica complexa, mas é complexo entender de que forma você se representa em imagens e quais são marcos que te levaram a esse lugar, com o cuidado de deixar espaço para o que não precisa ser explicado e para o que está por vir. Pra mim esse é o maior aprendizado, ir experimentando o que pra você faz sentido sem ter a obrigação de ter sentido.” (Luciana)

O Caminho do desapego do saber e da entrega ao fazer e sentir de Bruno

“É uma jornada de autoconhecimento. O resgate e prática dessas artes manuais foram como uma viagem pelo tempo, e um mergulho em uma vontade antiga minha de fazer mais com as mãos. Fazer mais comigo mesmo. As rodas de ‘fazer’, me pareciam muito mais uma desculpa para criar e “esculpir” afetos do que um convite para as produções em si.

O bordado, sem dúvida, foi o que mais trouxe surpresa. Eu tinha certeza que seria fácil. Mas não foi. Ver a minha produção foi como olhar um espelho de várias coisas que eu faço no dia a dia, mas que nunca tinha me dado conta. Foi como um recado dizendo: você não está pronto, e tá tudo bem. Ninguém está, e estamos aqui para aprender juntos. Aprender e ensinar.’ Foi inspirador.

Me fez reconhecer alguns limites e me surpreender com alguns talentos que desconhecia. Eu tinha a expectativa de sair com várias técnicas. Mas o Caminho me levou para um lugar de desapegar do saber, e se entregar para o “fazer” e sentir. Cada peça é uma nova história. Assim como a gente pode acordar ‘em branco’ a cada dia e fazer algo de uma nova forma. E sentir isso liberta muita coisa de dentro.

Foi gostoso descobrir a cada novo encontro, uma nova versão do ‘Autor’ que vive aqui dentro, e como eu posso oferecer isso para o mundo da forma mais verdadeira e conectada com o que eu acredito.” (Bruno)

O Caminho da conexão consigo e com o outro de Silvia

“Quando me dispus a entrar nesse projeto, estava totalmente sem noção do que encontraria. O que estava realmente à procura é que, por ter me aposentado há mais de 5 anos e ter uma relação muito intensa com pessoas, pessoas da área comercial, eu tinha muitos contatos e fazia várias atividades e agora, aposentada, tento buscar dentro de mim aquilo que me dá prazer. Sou uma pessoa de 67 anos, estou separada, tenho 8 filhos, 12 netos e procuro agora só fazer o que gosto. Esse pra mim está sendo agora meu maior objetivo de vida.

Quando encontrei com a Ciça e ela me explicou sobre o Caminho do Autor, achei uma ideia interessante, sem saber o que eu ia encontrar. Gostei muito, ao ponto que um dos textos elaborados na época, numa das primeiras aulas foi o seguinte: hoje estou aqui aguardando essa ligação com meu eu interior, buscando no artesanato a minha conexão fora-dentro. Isso significou muito e foi a forma como defino o que foi o Caminho do Autor pra mim. Buscar conexão através de uma coisa que gosto: a parte manual, criação e desenvolvimento de projeto, encontrar o elo com aquilo que sou hoje ou que sempre fui e que, de repente, ficou meio estremecido, meio escondido.

A técnica que mais me tocou, eu posso dizer que por total desconhecimento e pela euforia que deu toda a preparação, gostei muito da estamparia, mas gostei ainda mais da tecelagem. Achei muito interessante, nunca tinha feito, gostei demais. A que menos me atraiu, porque talvez aquele não tenha sido o melhor momento, foi a de carimbo, mas todas as outras me movimentaram. Me movimentaram tanto que de repente entrei numa roda de bordados, que foi muito mais uma saída para a situação que me encontro hoje que é um pouco mais introspectiva, ou estar muito sozinha, que no começo achei interessante porque achava que precisava disso, dessa parada. Agora estou tentando retomar e buscar nessas conversas, nesse bate-papo, coisas informais, fazer uma análise de vida, uma análise com as pessoas ou até mesmo estar junto com elas, e não estar à parte delas. O aprendizado que o Caminho passou a mim foi que hoje eu sinto ainda tenho espaço para fazer, criar, crescer e disso tudo perceber o quanto sou ainda. Chamo hoje de começo de um novo pensamento: ser acima do ter, criar uma outra forma do meu eu se manifestar fazendo. Isso me representa e isso o Caminho do Autor representou pra mim: esse começo de uma nova era, de um novo ciclo dessa minha vida, que acredito ainda terá um longo discursar à frente.” (Silvia)

A 2ª edição do Caminho do Autor inicia dia 12 de março de 2019. Se você escuta o chamado para ser autor/a de seu caminho e deseja vivenciar um processo de autoconhecimento criativo por meio de fazeres manuais, leia mais informações aqui ou venha bater um papo com a gente: contato@revolucaoartesanal.com.br

ARTESANAL - MANIFESTO

As mãos como ponte dos afetos de dentro para fora
dão forma ao pensamento, à singular expressão.

O artesanal mobiliza o que há de mais humano em nós:
imaginar, criar e fazer,
dar sentido às emoções, memórias, relações,
dar formas, cores, sabores, funções,
dar movimento e beleza.

Nosso ativismo artesanal acontece no “fazendo”:
no olhar sobre e para o mundo,
na escolha de como consumimos e ocupamos o mundo,
na valorização do pequeno, do local e do autoral,
no manejo do corpo com as ferramentas e os materiais,
no aprendizado com o erro, a repetição e o tempo do fazer,
no contato com a natureza e nossas raízes artesãs.

É no “fazendo” que nos colocamos
corajosamente em atrito com o nosso fazer;
é no “fazendo” que transformamos
as coisas, a nós mesmos e o mundo para,
aos poucos,
reacender a sabedoria que está dentro de nós,
de cada um de nós,
de nossa ancestralidade e
do que queremos criar com sentido neste mundo.

Por um mundo feito à mão, um mundo feito por nós!